sábado, 15 de agosto de 2009



Pesquisa analisa candomblé com proposta antropológica inovadora


Quais os mistérios da permanência e difusão cada vez maior de uma religião ministrada por excluídos, perseguida pelo establishment e estigmatizada como 'mágica' numa sociedade pós-industrial? O candomblé no Brasil tem ocupado teóricos tradicionais como o francês Roger Bastide, autor de O candomblé da Bahia – clássico da sociologia das religiões publicado em 1958, que aborda o transe, a possessão e os ritos das religiões afro-brasileiras. Marcio Goldman, antropólogo da UFRJ, investiga essa área há 25 anos. Sua tese de mestrado A Possessão e a Construção Ritual da Pessoa no Candomblé, de 1984, originou, mais tarde, uma densa pesquisa em terreiros de candomblé. Com apoio do programa Cientistas do Nosso Estado ele aborda a 'Ontologia, Epistemologia e História nas Religiões Afro-brasileiras' partindo de uma inovação teórica.Para isso o professor de Antropologia Social utilizará instrumentos originais: o arsenal de pensadores como o filósofo Gilles Deleuze, o esquizoanalista Félix Guatarri, a historiadora da ciência Isabelle Stengers, entre outros. Tudo isso somado a sua própria pesquisa de campo (em Ilhéus, no Sul da Bahia) e a aquelas de cinco alunos do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional/UFRJ em terreiros de Valença e Caravelas, também na Bahia; no Rio de Janeiro; e em Pelotas, no Rio Grande do Sul. "O movimento característico da pesquisa antropológica é a utilização da literatura confrontada com a pesquisa de campo. Existem duas vertentes tradicionais na literatura afro-brasileira - uma que privilegia a busca da continuidade com a cultura africana e outra, construída nos anos 1970, que privilegia a dimensão social em que vivem as pessoas dessas religiões. Meu interesse não é bem nem uma coisa nem a outra. O que o projeto pretende, com esse título 'Ontologia, Epistemologia e História das Religiões Afro-Brasileiras', é tentar entender algumas das formas do pensamento aí existentes. Pois se trata de formas de pensamento muito sofisticadas e, por isso mesmo, de difícil compreensão", avalia Goldman, localizando aí uma das razões da sobrevivência e expansão do candomblé no Brasil. Todo grupo humano desenvolve ao longo de sua história esses modos de pensar, como explica o antropólogo: "Em geral, quando tentamos entender como funcionam esses sistemas, aplicamos idéias de nossos grandes pensadores; idéias que muitas vezes não são adequadas para isso. Uma alternativa é lançar mão de pensadores, como Deleuze ou Latour, que insistem justamente em dimensões pouco contempladas do nosso próprio pensamento. Só assim, creio, é possível revelar a complexidade das práticas e pensamentos envolvidos no candomblé. Na possessão espiritual, por exemplo, estamos às voltas com duas entidades ou uma só? Mas trata-se mais de conexões com esses e outros autores do que de aplicações".O diferencial do candombléA escolha desse objeto de estudo por Marcio Goldman foi uma contingência de sua carreira acadêmica que se tornou uma especialização, e hoje soma 25 anos de experiência. Durante a graduação trabalhou com o professor Wagner Neves da Rocha em um projeto que começou com a Umbanda e se deslocou para o Candomblé. "Casualmente, devido a uma divisão de tarefas, tive que trabalhar com a possessão e o transe, e depois mantive o tema até o final do mestrado", conta o pesquisador. "Nesses quatro primeiros anos tratava-se mais de uma pesquisa sobre política, mas realizada em um terreiro de candomblé em Ilhéus, no Sul da Bahia, uma pesquisa sobre a visão que as pessoas de lá têm sobre a política". Esse trabalho resultou na publicação do livro Como funciona a democracia – uma teoria etnográfica da política (Editora 7 Letras, Rio de Janeiro, 2006). O que o manteve nessa trilha de pesquisa foi também a admiração pelas pessoas que freqüentam os terreiros. "São pessoas negras, pobres, excluídas, dotadas de uma dignidade impressionante. E talvez sua dedicação e seu envolvimento com potências transcendentes os ajude na preservação dessa dignidade que, para mim, é a coisa mais marcante que encontrei no candomblé - até mesmo do que as belas festas, a comida maravilhosa e toda a estética deslumbrante desse mundo", diz, lembrando que muitos se aproximam do candomblé pela via do sobrenatural. Marcio sublinha que nessa religião as pessoas são produtoras de sua religiosidade. "É uma religião vivida, e não dada por outrem ou por uma doutrina. Não são fiéis ou crentes passivos que recebem um dogma. Eles estão recebendo seus orixás. Além da convicção há uma adesão corporal, física. As festas com a música e a dança, criam um envolvimento sensorial absoluto. Tudo é muito bonito e isso explica, em parte, porque essa religião resiste há tanto tempo. O candomblé cria, para usar uma expressão de Guattari, um território existencial, que pode talvez explicar porque tem resistido no Brasil apesar das perseguições e preconceitos", avalia. A pesquisa de campo e o campo da pesquisaSuas pesquisas de campo fundamentam-se nas práticas de um terreiro de Ilhéus, no Sul da Bahia. "Em 1983, quando procurava um campo para minha pesquisa de mestrado, fui a Ilhéus e conheci o terreiro Matamba Tombenci Neto, muito antigo, fundado em 1885. É um terreiro muito especial, de uma família muito grande, que vivem numa parte do bairro da Conquista. Dona Ilza Rodrigues, a atual mãe-de-santo é o quarto membro da família na liderança, que já foi de sua avó, de seu tio e de sua mãe. É um ótimo lugar para a pesquisa pois engloba várias formas de relação, de parentesco, de vizinhança, de participação política … é uma rede que envolve tudo", explica o antropólogo.O projeto ressalta outros aspectos como a importância do segredo e da magia no candomblé. "O crucial talvez não sejam os grandes esquemas classificatórios ou o aspecto visível e espetacular das belas festas públicas, mas o que é feito em segredo, longe dos olhares dos leigos – as 'manipulações', os 'fuxicos', esse savoir-faire que é a marca distintiva do candomblé, o lugar de uma variabilidade e criatividade que só podem embelezar o culto, afastando-o dos códigos monótonos das grandes religiões. Se a qualificação de 'mágico' pudesse ser esvaziada do conteúdo etnocêntrico daqueles que, no século XIX, e mesmo hoje, negavam ao candomblé sua condição religiosa, talvez ela pudesse ser a melhor designação para esse aspecto do sistema".Mas o segredo no candomblé não significa um obstáculo, mas um desafio à pesquisa de campo. "Não é tão complicado. O candomblé é uma religião iniciática. Só se pode ter acesso a determinados aspectos se você passar pela iniciação. Mas não significa que sem acesso direto, não se chegue a determinadas informações. O trabalho de campo do antropólogo pressupõe ouvir, viver com as pessoas, e muito é passado oralmente. Peço autorização para publicar detalhes pessoais ou fotos", conta, sublinhando que há um paradoxo nisso: "Como é uma religião iniciática o pesquisador pode se iniciar na religião, e muitos antropólogos terminam por se iniciar. Mas se fizer iniciação o pesquisador estará submetido às regras do segredo, e como iniciado não poderá revelar o que passou", diz o antropólogo Marcio Goldman afirmando que ainda não é iniciado no candomblé e que pretende publicar essa pesquisa em livro.O tema, bastante caro aos editores brasileiros, também pode representar outro desafio aos pesquisadores. "Ao tentar escapar do academicismo o autor corre o risco de folclorizar o que estuda, de transformar uma prática viva em uma relíquia de museu. Por isso quero explorar essas dimensões ontológicas, epistemológicas e históricas propostas no título da pesquisa. É uma forma diferente de pensar as religiões afro-brasileiras, reconhecendo que o candomblé nos propõe uma forma de pensar diferente da nossa. Quero mostrar esse caráter vivo, ativo e perturbador, longe de qualquer preservacionismo", promete o professor.Fonte: http://www.faperj.br

Um comentário:

  1. ola bom dia, gostaria de dizer que estou muito feliz de fazer parte deste blog. Sou fan numero 1

    um grande beijo para minha mae ILZA meu padrinho e minha madrinha extensivo a toda a familia. beijos e saudades.

    WELINGTON DANTAS

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